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Os Perdedores

by Manuel Fúria

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1.
Acabou Acabou Acabou Acabou Acabou Acabou Acabou Acabou I had a glimpse of beauty today And it saved my soul Acabou I had a glimpse of beauty today And it saved my soul Acabou Sabes filho, aqui ficava o videoclube (I had a glimpse) “O Meu Tio”, “Os Marginais”, “Pretty in Pink” Vieram todos daqui E agora pai? Acabou A mercearia da Senhora Beatriz Tinha a melhor farinheira (Of beauty, Of beauty) E era ali que estava erguido O verdadeiro Estádio da Luz E agora pai? Acabou Dentro da loja de discos Orfeu Passava tardes inteiras (I had a glimpse) De bolsos lisos Foi a minha Escola Prática de Contemplação E agora pai? Acabou Cinema Londres é loja do chinês O Monumental e o King foram de vez (Acabou) O Kanimambo já não tem nada a ver (Of Beauty) A Sol e Mar custa passar e ver E agora pai? Acabou O Pitta fazia as camisas do avô E a Confeitaria Cunha era o lugar com mais charme (Acabou) Dos lugares com mais charme, Dos lugares com mais charme, Dos lugares com mais charme, mais charme, (Soul) mais charme, (Acabou) mais charme... I had a glimpse of beauty today And it saved my soul Acabou I had a glimpse of beauty today And it saved my soul, soul Se tudo tem de terminar Nem sono, nem fome, nem mundo, Eu tenho de me esvaziar Se tudo tem de terminar Nem sono, nem fome, nem mundo, Eu tenho de me esvaziar Se tudo tem de terminar Nem sono, nem fome, nem mundo, Eu tenho de me esvaziar Se tudo tem de terminar Nem sono, nem fome, nem mundo, Eu tenho de me esvaziar And it saved my soul Tenho de me abandonar And it saved my soul, soul Eu Tenho de me abandonar And it saved my soul Tenho de me abandonar And it saved my soul, soul Eu tenho de me esvaziar I had a glimpse of beauty today Tenho de me libertar And it saved my soul Eu tenho de me abandonar I had a glimpse of beauty today Eu tenho de me esvaziar And it saved my soul Eu tenho de me esvaziar I had a glimpse of beauty today And it saved my soul Acabou I had a glimpse of beauty today And it saved my soul, soul Acabou I had a glimpse of beauty today And it saved my soul, soul Acabou E agora pai? Eu tenho de me esvaziar, Eu tenho de me esvaziar Soul, soul, soul, soul, soul Eu tenho de me esvaziar Soul, soul, soul…
2.
Olho vesgo, língua turva Contam-se cadáveres Há metas para cumprir Mínimos nacionais Corpo entregue às feras Há gente que dorme Enquanto outros se fazem explodir Para os mínimos nacionais O fogo destruiu A casa E apagou a cal Que caia a casa E agora como direi O Teu nome Se não tenho onde escrever O teu nome Podia ficar calado Pronto, quieto, AÍ sentado Podia escolher Palavras fáceis Caminhos fáceis Ou deuses fáceis Ou até colaborar E com jeitinho fingir Mas alguém disse a cantiga é uma arma E cantar é resistir O que foste tu fazer Bárbaro de ti próprio Canibal Tudo tem o seu tempo Água dura em pedra mole Mais que fura a estrutura Não há quem guarde o paiol Tudo é de ninguém O fogo destruiu A casa E apagou a cal Que caia a casa E agora como direi O Teu nome Se não tenho onde escrever O teu nome Podia ficar calado Pronto, quieto, AÍ sentado Podia escolher Palavras fáceis Caminhos fáceis Ou deuses fáceis Ou até colaborar E com jeitinho fingir Mas alguém disse a cantiga é uma arma E cantar é resistir
3.
2017, Cabo Delgado, Moçambique. Centenas de mortos e mais de 200.000 deslocados. Monges beneditinos escondidos na mata. Depois da passagem dos terroristas do Daesh pela vila onde viviam, as irmãs carmelitas ficaram sem palavras. Há pessoas escondidas nas florestas, famílias inteiras em fuga. Homens, mulheres, crianças abandonam tudo o que possuem. Pessoas decapitadas, Igrejas incendiadas, casas, escolas, Centros de Saúde em destroços. Os jihadistas raptam mulheres, matam com crueldade todas as pessoas, semeiam o medo e a morte. 2019, Burkina Faso. 1 Padre foi morto durante a celebração da Missa, juntamente com 5 cristãos. Noutra aldeia 1 Pastor protestante foi morto, juntamente com 4 dos seus fiéis. 2022, Domingo, 3 de Julho, Borasso, uma aldeia na Diocese de Nouma, no Noroeste do Burkina Faso. 14 pessoas foram metralhadas à porta da Igreja por terroristas islâmicos. Logo a seguir, outras 20 no centro da mesma povoação. No calendário o número 177 O Imperador Aurélio decretou Perseguição, julgamento, execução Com Apolo e os rapazes, Ai do cristão Na antiga Gália, em Lyon, A atrocidade, a proporçom, Atingiria a medida da irritação Do pagão Ai do cristão Escorraçados das suas casas, Dos banhos e das praças, Assaltados, insultados, sacudidos, golpeados, apedrejados, Pela multidão Forçados a renunciar a fé, Acusados de incesto, Banquetes canibais Irredutível a frágil Blandina, Repetia estas palavras Erguia estas palavras Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Blandina foi levada para arena Toda aberta, em carne viva para arena Blandina pendurada no madeiro Ela rezava pendurada no madeiro Os leões que lhe lançaram Nem lhe tocaram Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Blandina foi levada outra vez Açoitada na arena outra vez Depois das feras na arena outra vez Depois das chamas na arena outra vez Atiraram-na a um toiro Lançada ao alto pela besta Foi colhida, sacrificada Passou para o lado de lá Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Sou cristã, nada de mal é feito entre nós Sou cristã, nada de mal é feito entre nós " A Filha da Antiga Lei Deus não me dá sossego. É meu aguilhão. Morde meu calcanhar como serpente, faz-se verbo, carne, caco de vidro, pedra contra a qual sangra minha cabeça. Eu não tenho descanso neste amor. Eu não posso dormir sob a luz do seu olho que me fixa. Quero de novo o ventre de minha mãe, sua mão espalmada contra o umbigo estufado, me escondendo de Deus."
4.
O vento frio vem Para se deitar Com o velho Largado ao azar As pessoas quando morrem São troncos magros Partidos no chão As flores crescem onde calhar Os vulcões esperam em qualquer lugar As flores crescem onde calhar Os vulcões esperam em qualquer lugar É o novo normal, é o novo normal, é o novo normal... É o novo normal Os teus olhos reflectidos Num rio sem caudal Neste Outubro O calor foi febril Levou velhos Chorou-se pelo canil As pessoas quando morrem São cascas descadas Do limão As flores crescem onde calhar Os vulcões esperam em qualquer lugar As flores crescem onde calhar Os vulcões esperam em qualquer lugar É o novo normal, é o novo normal, é o novo normal... É o novo normal Os teus olhos reflectidos Num rio sem caudal
5.
Prece 909 03:40
Eu sinto uma disposição Eu sinto uma inclinação Para falar, ouvir falar Eu sinto uma disposição Eu sinto uma inclinação Para falar, ouvir falar Eu sinto uma disposição Eu sinto uma inclinação Para falar, ouvir falar Daquilo que amo Daquilo que amo Amo Eu sinto uma disposição Eu sinto uma inclinação Para falar, ouvir falar Daquilo que amo Daquilo que amo Senhor, Tu que és a redenção Eu.. ...sinto uma disposição
6.
Combinava-se um sítio, Uma hora marcada Saco às costas, nem botas Mapa, testa ou noção Pelo caminho de terra, A casa abandonada, Bosque adentro a fronteira Onde o pintor viveu Talvez o cão não morda O velho não dispare O sol corta entre as folhas Mas já passámos para lá Para o coração do mistério O promontório do medo Atira a pedra para o vidro, O vidro parte e Trás... ...-dos-montes o segredo Carrega a água para cá... ...ai quem nos escondeu Homens bêbados em pó O vento nos cabelos Equilíbrio precário Serra abaixo e no walkman Offspring a partir Debaixo do viaduto Putos atiram calhaus Velhos jogam à sueca Num tasco perto dali Talvez o Zé não caia A corrente mantenha As rodas a girar Da nossa libertação Sangue ferve na guelra Comemos alcatrão Atira a pedra para o vidro, O vidro parte e Trás.. ...-dos-montes o segredo Carrega a água para cá... ...ai quem nos escondeu Homens bêbados em pó Montados nas Bicicletas de Montanha Cruzamos gloriosos Olhos para lá Dos montes o segredo Carrega a água para cá... ...ai quem nos escondeu Homens bêbados em pó Montados nas Bicicletas de Montanha Cruzamos gloriosos Olhos para lá
7.
Interlúdio 02:14
8.
Quando eu era pequenino Acabado de nascer Foi-me entregue uma maçã Toda para eu roer Tive medo, só cheirei Convencido que a trincava Sobre a carne, apenas um rumor E o tempo, esse passava Então agitei bandeira, Então fui e avancei Nessa grande bebedeira Que ainda não ressaquei E depois tive uma banda, E depois fui o maior, E depois o tempo fez O que o tempo faz melhor O que o tempo faz melhor Só Deus sabe o que perdi Só Deus sabe do que comi Na cidade onde cresci Homens fétidos e flores Meninas de barro Carregadas em andores De manhã eu acordava, E à noite ia dormir A vida tinha um mapa, E era simples existir Era simples existir Era simples existir E depois tive uma banda, E depois fui o maior, E depois o tempo fez O que o tempo faz melhor O que o tempo faz melhor O que o tempo faz melhor Só Deus sabe o que perdi Só Deus sabe do que comi Só Deus sabe o que perdi Só Deus sabe do que comi I’ve been bent and broken I hope, into a better shape I’ve been bent and broken I hope, into a better shape I’ve been bent and broken I hope, into a better shape Só Deus sabe o que perdi (Into a better shape, I) Só Deus sabe do que comi (Into a better shape, I) Só Deus sabe o que perdi (Into a better shape, I) Só Deus sabe do que comi (Into a better shape, I) Só Deus sabe o que perdi (Into a better shape, I) Só Deus sabe do que comi (Into a better shape, I) Só Deus sabe do que comi (Into a better shape, I)
9.
Foi em Setembro de 98 Tínhamos grandes planos O Paulo falhou Faltou ao combinado Estava eu regressado Das férias do Verão E ele todo mocado Com os jagunços do irmão A nossa banda ia tocar Numa festa tipo americana Estava marcado ensaio Para o nosso maduro Maio Tu não quiseste saber O que é que foste fazer Deitaste tudo a perder Era suposto seres O meu melhor amigo O Paulo foi O meu primeiro que se foi, foi, foi O meu primeiro que se foi, foi, foi O Paulo foi O meu primeiro que se foi No décimo ano baralhavam-se as turmas Escolhiam-se áreas de estudo Era um mundo diferente Aparecia outra gente Como apareceu o André Lopes Um rapaz esperto, raro Magnético, pouco dado Uma alma a lutar Cultivava aura de marginal Na flor da sua pele Via o bem, via o mal Mostrei-lhe um dia o Nick Drake E ele percebeu Muito melhor do que eu Andava sempre mal acompanhado Desaparecia, para não ser apanhado Encarava-me esquivo Maldito olhar vidrado O Lopes foi O meu segundo que se foi, foi, foi O meu segundo que se foi, foi, foi O Lopes foi O meu segundo que se foi O Zé veio para o grupo Para tocar tambores Quando o Salvador saiu Os Fausto já eram, um caso sério Era um miúdo particular Um coração transparente Incapaz de aguentar Palavras saídas de uma boca que mente Muita coisa naquela cabeça Demasiado perdido Onde ele foi parar Ó Zé, o que é que estás aí a fazer? O Zé foi O meu terceiro que se foi, foi, foi O meu terceiro que se foi, foi, foi O Zé foi O meu terceiro que se foi Luís Miguel, Tiago, Xico, o outro Xico, Isabel, António, reticências... Esta foi A minha malta que se foi, foi, foi A minha malta que se foi, foi, foi Esta foi A minha malta que se foi, foi, foi A minha malta que se foi, foi, foi Esta foi A minha malta que se foi, foi, foi A minha malta que se foi, foi, foi Esta foi A minha malta que se foi, foi, foi A minha malta que se foi, foi, foi Esta foi A minha malta que se foi
10.
Vim nascer a Lisboa Mas cresci numa pequena cidade Do Norte de Portugal Circunstâncias da vida O trabalho do meu pai O vento quando sopra Sopra para onde quer Entre campos e fábricas Ferraris, tractores Acorda-se cedo Faz-se o que se quer Da casa para o Colégio, Do piano para a rua Lisboa a sete horas É o que Deus quiser Da varanda de casa Via-se até à Serra O prédio era feio Construía-se assim Ainda o mundo começava Era soldado sem guerra Mal sabia que toda a história Tem sempre um fim Somos feitos de terra Do que a paisagem encerra Das coisas que atrás, no carro Vimos no vidro a passar Best of dos Rolling Stones Meu Pé de Laranja Lima Em casa dos meus avós O tempo não tinha lugar Manco Católico Menino de seu pai Manco Icónico Menino de seu ai... Território encravado Geografia de forças Entre o Céu e Las Vegas Na praia veio morrer Certa ideia de puro Puto potro impoluto Deixa-se a porta aberta Entra só quem quiser Da infância roubada Essa grande mentira Aprendemos com esforço Faz-te homem para o que vier É partir a cabeça Parti-la muitas vezes De tanto sangue nos olhos Hás de conseguir ver Manco Católico Menino de seu pai Manco Icónico Menino de seu ai... Manco Católico Menino de seu pai Manco Icónico Menino de seu ai... Somos feitos de terra Das coisas que atrás, no carro Vimos no vidro a passar Em casa dos meus avós O tempo era para... Manco Católico Menino de seu pai Manco Icónico Menino de seu pai Manco Católico Menino de seu pai Manco Icónico Menino de seu ai... Aaaai Hipnótico Aaai Licórnico Aaaai Aaaai Tendencialmente melancólico Aaaai Radiofónico Aaaai Aaaai

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TODAS MUDAVES

É um álbum que começa com «acabou». Aqui havia isto, acolá aquilo, diz Manuel Fúria, «e agora pai?», pergunta o filho. «Acabou», responde ele.
O elenco é de estabelecimentos comerciais. Uns acabaram para dar lugar a lugares novos, ainda que sem «charme»; outros acabaram no modelo antigo (cinemas lisboetas como o King, o Londres, o Monumental); outros acabaram em definitivo, como as lojas de discos e os videoclubes, que para algumas gerações se confundem com a sua memória afectiva, e para os mais novos serão talvez uma miragem vintage, ou coisa nenhuma.
A conclusão que Fúria retira disso é mais melancólica do que zangada, mais desamparada do que nostálgica, e nunca materialista. Uma vez que «tudo tem de terminar», decide, «eu tenho de me esvaziar», ou seja, o sujeito deve despojar-se das coisas, sem se despojar da ideia das coisas, fazendo um luto imperfeito, ou seguindo em frente. E, no entanto, o que fica na nossa cabeça é aquele «acabou, acabou», mofino como o corvo de Poe que crocita «nevermore».

Esse mote será glosado nas outras canções, sobretudo em «Malta Que Se Foi». O registo é autobiográfico («Foi em Setembro de 1998»), o texto quase lido, evocando companheiros que «se foram» demasiado cedo, gente da música, gente assombrada, este e aquele e aquela («reticências»), malta que era a dele, lembrada com mágoa e exaltação, «a minha malta que se foi, foi, foi», como ao sair do funeral de um amigo.
Nesses temas, e em «Bicicletas de Montanha» ou «Católico Menino Manco», o campo e a cidade, a juventude e o que vem depois, os amigos que já cá não estão, o vento que sopra onde quer (o do espírito, entenda-se), compõem a imagem de alguém que não se esquece, que faz questão de não esquecer, apesar de tantas perdas e de tantos perdedores, alguém que transporta todas as paisagens alguma vez vistas, como se ainda estivessem a ser vistas agora: «Somos feitos de terra / Do que a paisagem encerra / Das coisas que atrás, no carro /Vimos no vidro a passar».

Sá de Miranda escreveu: «Ó coisas vãs, todas mudaves. / Qual é o coração que em vós confia?». Mas Manuel Fúria confia, apesar da mutabilidade, apesar de tudo. Por um lado, isso deve-se à «disposição», à «inclinação», para falar «daquilo que amo». Por outro, a uma compreensão do tempo no longo curso, notória nos textos sobre o incêndio de Notre-Dame ou sobre os mártires cristãos de há séculos e de hoje: as coisas ardem, as pessoas vão-se, mas a ideia fica, seja essa ideia a fé, a identidade ou a consciência. E a lucidez ajuda, quando ajuda, a compensar a tendência para mitificarmos o que já se acabou: «E depois tive uma banda, / E depois fui o maior, / E depois o tempo fez, / O que o tempo faz melhor».

Desfigurador e transfigurador, é o tempo, e só o tempo, que empresta densidade à experiência, sentido à mudança. E enquanto isso as canções vão ritmando o nosso quotidiano, algumas «românticas» à inglesa, outras pulsantes, com guitarras ou teclados, há momentos «soul» ou LCD (e, ao meu ouvido, ecos de «19», de Paul Hardcastle, que não ouço desde os 19), versos de Adélia Prado, interpolações que são «espirituais» no sentido musical do termo, como na passagem de Dickens onde se vislumbra uma esperança contra toda a esperança.

Pedro Mexia


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Perder é a Glória dos Bravos

“Eu sinto uma disposição/ Eu sinto uma inclinação/ Para falar, ouvir falar/Daquilo que amo”.

“Prece 909”, Os Perdedores

O disco mais pessoal de Manuel Fúria – ele que só sabe edificar uma arte assente na biografia.
O passado quer-se arrumado em cima da cama como o vestuário que já não serve. Fúria decide catalogar a memória e arriscar a reinvenção. Ao banho de uma nostálgica melancolia, como aconteceu em périplos anteriores, prefere tentar uma catarse antes da luz.

Para isso, assume a dor da perda e a religião. Lembra mártires, denuncia massacres, nomeia a brevidade de tudo, homenageia um chão. Coloca na montra das lojas que já morreram destroços, raízes, o rosto de pessoas que foram decisivas, paisagens que determinam vidas.
“Os Perdedores” é o disco de uma banda de quem já teve uma banda. É nessa contradição que se cumpre e se transcende.

Reúne um punhado de canções de um rockeiro que adere à electrónica para dizer o tempo das guitarras. Uma electrónica sem heroísmos, que, ela própria, homenageia um cânone. Quase como um paradoxo, o sentido é o de densificar e convocar sombras. Para depois voltar a uma possibilidade, assente na glória de perder.

Músicas de quem já foi “o maior” e quer purgar a soberba e outros deslumbres. Canções de quem aceitou a escultura do tempo e procura formas de salvação possível ao gritar o nome dos amigos naufragados ou ao lembrar a infância, dividida entre a cidade e as serras, de “um menino de seu pai”.

"Os Perdedores" é o melhor título para um álbum musical-conceptual concretizado num tempo em que o triunfo mentiroso é o fetiche dominante. A autoria é apagada para dar lugar ao escândalo do anonimato.

Bravo gesto de quem se despede, acerta contas, paga dívidas, acorda noutra manhã. Que é como quem diz: de quem alinha os escombros e abre, com o destemor da fragilidade, as portadas do futuro.

Nuno Costa Santos

credits

released October 15, 2022

Música e Letra: Manuel Fúria;
Cantado por Manuel Fúria;
Tocado por Manuel Fúria e Guilherme Tomé Ribeiro;
Gravado por Guilherme Tomé Ribeiro nos estúdios Maravila entre 2020 e 2022;
Misturado e Masterizado por Hugo Valverde em Agosto de 2022;
Produzido por Guilherme Tomé Ribeiro.

Uma edição da FlorCaveira, com o apoio da Alga Viva.

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Manuel Fúria Lisbon, Portugal

A discografia de MF começa a solo, é atravessada pel'Os Golpes, continuou com os Náufragos.
Agitador, desalinhado, etc. é um nome fundamental para compreender a cena independente portuguesa dos últimos 15 anos.

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